A arte de Miguel Doura reflete o ambiente que o rodeia. Ele está situado no alto de uma montanha na Argentina: Aconcagua.
Como muitos artistas que pintam com base no período Pós-impressionismo, ele utiliza a terra como sua musa inspiradora.
Quando ele se senta em seu acampamento, ele olha para o mundo ao redor dele e permite que seus instintos façam o trabalho.
Esta tem sido a sua rotina desde 2003, quando ele escalou pela primeira vez 4.300 metros acima do nível do mar, deixando para trás sua pequena casa em Mar de las Pampas.
Em um primeiro momento, Miguel escalou um terreno acidentado em condições frígidas em nome da sua paixão por lugares altos. O sentimento de contentamento no topo da montanha o levou a pensar: o que eu poderia fazer para ficar aqui?
Não é sempre que uma faísca vira chama, mas para Miguel esta pergunta o levou a ardentes objetivos, incluindo uma quebra de recorde.
Juntando a sua paixão pela arte e o seu respeito pela montanha Aconcagua, Miguel criou o que é atualmente conhecido por Nautilus, o título Guinness World Records para a Galeria de arte contemporânea mais alta do mundo. Um lugar que permite com que escaladores como ele imerjam em uma experiência cultural e criativa ao visitarem a base do acampamento Plaza de Mulas.
“Eu me defino como uma pessoa curiosa. Uma pessoa que olha em volta, olha para o céu e sente o quão pequenos nós somos", disse Miguel. “Eu penso que Nautilus me dá a oportunidade de mostrar ou transmitir meus sentimentos àqueles que nos visitam. Eu tento ser honesto em minhas pinturas".
Nos últimos 14 anos, de dezembro a fevereiro de cada ano, Miguel mora em Nautilus mostrando o trabalho dele para quem quer que possa visitá-lo.
As condições climáticas nesse período do ano podem chegar a -25 C, com ventos extremamente fortes.
Não são muitas pessoas que possuem a habilidade de suportar circunstâncias tão isoladas como essa, especialmente as encontradas por Miguel, que mal usa a internet durante o seu período de residência na Plaza.
“Eu normalmente não sei em que dia da semana estou, mas eu sei se uma nevasca ou tempestada está vindo... Eu acordo de manhã no meu saco de dormer, algumas vezes eu vejo o vapor da minha respiração congelado em mim. Se o tempo permite, eu sente em uma das cadeiras que eu tenho do lado de fora e começo a pintar... de lá eu tenho uma vista excelente do campo inteiro e da Montanha Aconcagua”.
“Lá eu sinto meu espírito crescer. Algumas vezes eu esqueço que eu estou no planeta Terra, eu me sinto bem distante de qualquer civilização. Eu interpreto a pintura como uma forma de liberdade, um momento de total honestidade. Quando eu estou pintando, eu me sinto em uma bolha foram do mundo”.
Ironicamente, a maioria das pinturas de Miguel refletem o que fisicamente o rodeia, capturando a montanha Aconcagua em uma gama de tonalidades e composições. Miguel é influenciado pelo movimento histórico pós-impressionista.
“Eu tento mostrar o que eu sinto ou como eu vejo o mundo, o qual é cheio de cores”.
Nos primeiros anos do seu acampamento, tempestades fortíssimas destruíram a sua primeira tenda, forçando-o a comprar um abrigo mais forte, mais resistente e maior, o qual nomeou Nautilus.
“A nova tenda tem uma grande janela de PVC. Quando eu olho pela janela e vejo que está nevando lá for a, eu me sinto como um capitão de um navio. Eu cheguei a pensar que a galeria poderia se chamar "Enterprise" como em Star Trek. Mas ao ver o formato da galleria, percebi que era parecido com o formato de um submarino, lembrei do submarino de Julio Verne, o qual tem o nome de Nautilus”.
Miguel recebe materiais para a sua arte e mantimentos em pacotes que vêm da cidade de Puente del Inca, onde são embalados e colocados em oito mulas que viajam 1.500 metros acima do nível do mar até Plaza del Mulas.
“A mula é um animal que não sabe o significado de frágil, então é muito importante ter isso em mente antes de enviar mantimentos ou obras de arte”.
A jornada de Miguel para o topo da montanha Aconcagua leva cerca de 90 dias.
“A parte mais difícil é montar a galleria de arte. No meu primeiro dia, eu preciso me adaptar à nova altitude. Depois, dependendo das condições climáticas, eu começo a montar a tenda e a colocar as coisas no lugar, o que leva cerca de duas semanas. Também é muito importante montar bem a tenda, de forma que resista a tempestades e ventos fortes. Quando tudo está montado, a parte mais fácil é dizer “Olá, bem-vindos à galeria”.
O artista explica que ele conhece pessoas de vários lugares do mundo, desde o Alasca até América do Sul ou Europa.
Normalmente ele recebe menos visitantes durante o inverno. No inverno, os visitantes são pessoas que acamparam temporariamente na Plaza del Mulas, com as quais ele come, compartilha histórias e ouve música de viola.
“Eu me lembro de quando conversei com um rapaz que falava sobre as estrelas mais bonitas. Nós tivemos a oportunidade de vê-las à noite. Ele falava sobre ter cruzado o céu e ido ao Espaço, então eu perguntei: - Sério?, e ele me respondeu: - Sim, eu sou um astronauta”.
Sem saber, Miguel conversou com o astronaut da NASA Dominic L. Pudwill Gorie, que havia completado quarto missões na Estação Espacial Internacional de 1998 à 2008. Gorie também conquistou três vezes a medalha da NASA chamada Space Flight Medal durante a carreira dele.
Durante décadas de exibições de arte, Miguel já recebeu muitas pessoas interessantes, como políticos, membros do Parlamento Russo, poetas, cientistas e até mesmo atletas.
“Normalmente você não sabe com quem está falando. Quando estamos aqui em cima, nós todos somos os mesmo. Não há muitas diferenças: nós usamos as mesmas roupas, o mesmo banheiro, comemos a mesma comida e temos o mesmo cheiro. Sentimos o mesmo frio, mas também vemos as mesmas estrelas”.
Uma verdade é que as pessoas possuem gostos diferentes, histórias diferentes e vêm de lugares diferentes, mas a reação de todas as pessoas é sempre a mesma ao verem o certificado oficial do Guinness World Records pendurado na parade da galeria Nautilus.
“Em um primeiro momento eu não entendia o seu valor. Eu tenho que ser honesto, pessoas de todos os lugares do mundo conhecem este certificado e quando eu dido de todos os lugares do mundo, realmente são pessoas de todos os lugares do mundo. Isso realmente certifica que você fez algo exclusivo. Centenas de pessoas se deslumbram ao verem meu certificado pendurado na minha galeria de arte e param para tirar fotos com ele”.
Desde que conquistou o recorde em 2010, Miguel tem mantido o seu recorde ao montar a sua galeria religiosamente durante o inverno, guiado pela sua paixão de escalar.
O seu próximo sonho é realmente subir no topo, no pico da montanha Aconcagua, o qual fica a 2.662 metros acima de sua galeria, com condições ainda mais severas e fatais.
Assim que subir, ele deseja fazer uma pintura e conquistar um recorde por pintar na altitude mais alta.
Por agora, Miguel Douras está contente com o seu lugar perto das nuvens. É um trabalho árduo, em condições climáticas traiçoeiras, mas que eu almejo todos os anos.
“Eu digo que esta é uma excelente oportunidade para que eu fique no acampamento toda estação. Eu tenho a oportunidade de conhecer pessoas do mundo inteiro, pessoas que seriam difíceis de se conhecer. Eu aprendo culturas diferentes também. Algumas vezes até penso que volto da montanha mais jovem e como uma pessoa que fez uma coisinha melhor para o mundo”, disse Miguel. “Nem todos os dias são bonitos. Também há dias em que pessoas se perdem na montanha, mas morar lá também me faz me sentir mais vivo”.
